domingo, 12 de julho de 2009

Dipsomaniacamente


Saiu da cama encharcado de suor. Nenhuma lembrança recente em sua mente, como se aquela noite não tivesse existido. Mais uma...
Foi ao banheiro e rolou pelo piso, sem saber se queria colocar sua sujeira aonde ela realmente pertencia ou gelar a pele até que ela não sentisse mais nada. Algumas lajotas se pintaram levemente de vermelho...
O susto não aconteceu. Nem mesmo um pequeno espanto. Apenas o reflexo de, com o corpo todo dolorido, ir até uma das pias para retirar os vestígios daquilo que ele sentia ter sido seu primeiro passo rumo à liberdade, ao alívio...
Sua imagem no espelho era a mesma. Nem sinal de barba ainda. Nos olhos, a certeza de que o mundo viciado onde estava preso era irmão gêmeo daquele do lado de fora do muro...
Levou, então, seu corpo nu até um chuveiro e, tremendo, terminou de amortecer seu exterior, enquanto por dentro tudo fervia por um motivo estranhamente desconhecido...
A inexistência de uma toalha macia e aconchegante, ou mesmo uma gasta e desbotada, deixou-o de pé por vários minutos, até que teve de correr até o vaso para regurgitar um pouco do vulcão que consumia suas entranhas...
Pareceu voltar à vida. O sol nasceu. Logo, os outros acordariam. Era preciso correr de volta ao dormitório para vestir algo socialmente aceitável. Descer ao refeitório e fingir ser normal. Fingindo-se de anormal. Estava ali de favor, agora. O professor Honório lhe aconselhara a não aparecer. Não lembrava de nenhuma indiscrição...
Alguns garotos, porém, tinham na carne a memória de um troco quase mais caro do que o valor que havia sido cobrado. Seu silêncio, motivado por uma conduta que ansiavam por repetir pela última vez...
Quando o giro interminável do planeta traz novamente o dia seguinte, ele encontra um adolescente boiando na piscina; o primeiro raio de sol o desperta. Não sente dor física. Um pânico monstruoso toma conta de sua existência e permite que um grito descomunal se projete de seu interior até os ouvidos da faxineira que juntava uma toalha do chão...
Ele se apressa a sair daquela inexplicável realidade para sentir o morno sopro de quase-vida no refeitório, mas é parado pela mulher maternal que o enrola na toalha e, por alguns segundos, tudo fica muito saboroso, suave e sem necessidade de razão...
Não há sinais de luta em seu corpo. Uma imagem sem nitidez martela a tecla wake em algum lugar até então ignorado, trazendo à tona mais gritos sufocados a custo pelo próprio agente causador...
Desvencilha-se daquela que o confortou para sempre e corre até o banheiro. Honório, em seu caminho, parece tomado de um terror similar. Impede sua entrada no local, lívido, jamais capaz de sequer cogitar uma ligação entre seu aluno preferido e a cena surreal no chão através da porta...
Certo de que seria obedecido, parte para encontrar ajuda e roupas para seu protegido, que contraria as leis do universo honoriano e escancara aquela porta, em busca de respostas. E elas vêm todas umas por cima das outras: quatro garotos nus em poças de sangue interligadas, assim como a pele arrancada de seus corpos e costurada em outras partes - o bizarro de um ombro com cabelo como se fosse a farda de um general...
A confusão é demasiadamente obscura. Ele não sabe ao certo se aquele que vê é o mesmo que fez, até seu segundo alívio voltar com o uniforme que produziu a desculpa de que agira sob efeito de uma mente transtornada...
Seu professor o abraçou depois de vesti-lo. O vulcão estava extinto. Mas as pegadas do banheiro até a piscina, não.
(Regina Majerkowski)

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