segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O TAL DE CURRICULUM VITAE

Curriculum

Já chorei até cair no sono e acordei sem lembrar nada. Já peguei ônibus errado, pedi desculpas ao cobrador e continuei andando por caminhos desconhecidos. Confundi sentimentos e magoei a mim mesmo. Já despejei caldo de feijão na rapa do arroz e fiquei viciado em comer na panela.

Eu já dei risadas até ficar com cãibras na barriga, já mergulhei até o pulmão quase fugir pela boca. Hoje, aproveito ao máximo o oxigênio que penso ter direito.

Já fiquei eternamente apaixonado várias vezes. Já me senti sozinho no meio da multidão, com saudades daquele nome que escrevi com xixi no muro da escola.

Já fugi de casa quando morava sozinho e voltei para chorar no banheiro. Eu já voei com asas de aço e vi minha cidade lá de cima, mas não consegui encontrar meu lugar. Corri descalço na chuva, roubei uma flor no jardim de uma inimiga e fiz as pazes deitado na grama molhada.

Já apostei que amigos não partiriam e perdi várias lágrimas. Fiz cócegas no meu filho só para ele parar de chorar e discuti com o espelho que teimou que eu estava envelhecendo. Já fiz promessas impagáveis e me queimei com a vela. Durante um banho de chuva sonhei um amor de verão que talvez dure para sempre. Já escrevi poesias sobre solidão durante uma festa de fim-de-ano.

Já estourei bola de chiclete no cabelo da amada e brinquei de mocinho, astronauta e aprendiz de feiticeiro. Passei trote por telefone e me escondi atrás da cortina esquecendo os pés para fora. Já levei choque elétrico e caí da escada com a bunda no chão. Sai caminhando sem rumo e fiquei sem nada na cabeça pensando naquele amor vazio.

Fiquei ouvindo estrelas no telhado da casa da vó e roubei frutas de uma árvore do tamanho dos meus sonhos. Fiquei tentando esquecer algumas pessoas que descobri serem as mais difíceis de esquecer.

Já chorei ouvindo música no elevador lotado e me cortei fazendo a barba, em uma madrugada chuvosa. Já vi o pôr-do-sol alaranjado, cinza e violeta e bebi cachaça no bico do copo de plástico até ficar com a boca falando das histórias que nunca vivi. Já vi a cara da morte meio de perto e agora vivo cada dia como se fosse o melhor.

Quase morri de amor muitas vezes e quase revivi outras para agradecer o sorriso de alguém especial. Vi amigos partindo e encontrei mais alguns novos e agradeci o ir e vir sem razão da vida.

Foram tantas coisas que fiz e fotografei num cantinho da mente reservado para ao dias da minha vida, tantas emoções encostadas na parede do coração, que até faz parecer que a vida vale a pena.

E agora, um formulário quer ditar o meu futuro, me encostando na parede e interrogando em letras garrafais que gritam: — Qual a sua experiência?

Experiência? Será que “plantador de sonhos” é uma boa experiência?

Não, claro que não.

Os questionadores ainda não sabem colher sonhos.

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Esta crônica antiga foi um de meus primeiros trabalhos enviados pela internet. Já foi até plagiada pelo “Autor Desconhecido”.

Ganhou o primeiro lugar no V Concurso Rubem Braga de Crônicas, da Academia Cachoeirense de Letras em 2004.

(Ricardo Porto)

O QUE DIZER?...

Capa-O QUE DIZER-

Caminhando entre as ruas, fiquei imaginando o que dizer. Como lhe contar?... Com qual palavra começar?... Todas as que vieram em meu pensamento, soaram pequenas e insignificantes para tentar expressar o que eu queria lhe falar. Me disse um dia um amigo, que as palavras correm o risco de mascararem a verdade, e que às vezes não conseguem expressar o sentimento. E isto me perseguia, me martirizava, me corroia por dentro. No dia não quis aceitar, mas hoje, neste momento, tive que ser humilde e concordar plenamente com a sua teoria. Ele estava simplesmente certo, absolutamente correto.

Mas como lhe falar?... Como dizer tudo aquilo que me preenchia o peito, parecendo querer explodir a carne de meu corpo e sair abruptamente para fora. Será que me entenderia?... Será que me faria entender?... O que tinha para lhe contar e que me consumia era de tão importância, que não podia guardar só para mim. Você teria que saber um dia. E era chegada a hora. O momento era este. Tinha que lhe contar o que estava se passando comigo. Não conseguia mais dormir com esta aflição. Você tinha que saber. Após mais alguns passos, vejo que cheguei em frente a sua casa. Meu coração dispara. Como lhe falar?... Como lhe dizer?... De repente, antes mesmo de apertar a campainha, você aparece. Engasgo. Engulo seco. A frase não havia sido ainda formulada em meu cérebro. Não houve tempo suficiente. As palavras fugiram. Descontrolo-me.

Olho em seus olhos e dou-lhe um beijo demorado, ao invés simplesmente de dizer que TE AMO...

(Carlos Melo de Andrade)