QUANDO TODOS SÃO DEMÔNIOS
Eu já estava acostumado com os bichinhos. Eles começaram com invasões esporádicas; depois de algum tempo, eram uma constante no meu dia-a-dia.
Pela manhã, quando enxaguava a boca com uma "purinha", notava a presença deles me espiando, esperando que fizesse a primeira refeição do dia, (às vezes a única), regada com o costumeiro conhaque de alcatrão — que levava a falsa ilusão de fortificar.
Por volta do meio da tarde, quando atinava colocar alguma coisa sólida na boca, eles já estavam bebendo junto ao meu copo. No começo, quando senti pelas primeiras vezes o tão temido delirium—tremeres , o pânico tomou conta de mim. Quando vi que não podia fugir deles, passamos a conviver em relativa harmonia. Eu conversava com eles (até pedia conselhos etílicos). De vez em quando, discutíamos. Eram os únicos com quem eu podia falar, as pessoas não conseguiam manter uma conversa linear comigo. Eu não conservava a mesma linha de raciocínio mais que alguns segundos. Só meus capetinhas me entendiam.
De todos os demônios que povoavam a minha imaginação, tinha um que aparecia com mais freqüência. Era amarelinho, com corpo pequeno e cabeça enorme, coberto de pelos eriçados e tão brilhantes, que faziam doer meus olhos embotados pelo álcool. Quando apareceu pela primeira vez, era pequenino, por fim, já estava quase da minha altura.
No início, senti que tinha tanto medo de mim, quanto eu dele. Depois, pareceu que estava com raiva. Na última vez que vi meu monstrinho favorito, ele pareceu triste, choroso. Achei que estava implorando por alguma coisa. Eu podia sentir através das chamas azuis que havia no lugar de seus olhos, que queria dizer-me alguma coisa importante, muito importante.
Foi no dia que deixei o copo de lado, num instante raro de lucidez, e prestei atenção no diabinho.
Na verdade, a cabeça não era tão grande assim. E os pelos revoltos, eram lindas madeixas louras; como as da mulher com quem casei há muito tempo e sequer conseguia lembrar o semblante.
O fogo azul se transformou num par de olhos tão lindos quanto o oceano, que eu não admirava há tanto tempo.
Estava realmente implorando; por mim, por nossa família. Chamou-me de papai.
Só aí, reconheci minha filha, que lembrava como sendo um bebê, mas cresceu ao meu lado, sem eu sequer notar a sua presença.
Eu já estava acostumado com os bichinhos. Eles começaram com invasões esporádicas; depois de algum tempo, eram uma constante no meu dia-a-dia.
Pela manhã, quando enxaguava a boca com uma "purinha", notava a presença deles me espiando, esperando que fizesse a primeira refeição do dia, (às vezes a única), regada com o costumeiro conhaque de alcatrão — que levava a falsa ilusão de fortificar.
Por volta do meio da tarde, quando atinava colocar alguma coisa sólida na boca, eles já estavam bebendo junto ao meu copo. No começo, quando senti pelas primeiras vezes o tão temido delirium—tremeres , o pânico tomou conta de mim. Quando vi que não podia fugir deles, passamos a conviver em relativa harmonia. Eu conversava com eles (até pedia conselhos etílicos). De vez em quando, discutíamos. Eram os únicos com quem eu podia falar, as pessoas não conseguiam manter uma conversa linear comigo. Eu não conservava a mesma linha de raciocínio mais que alguns segundos. Só meus capetinhas me entendiam.
De todos os demônios que povoavam a minha imaginação, tinha um que aparecia com mais freqüência. Era amarelinho, com corpo pequeno e cabeça enorme, coberto de pelos eriçados e tão brilhantes, que faziam doer meus olhos embotados pelo álcool. Quando apareceu pela primeira vez, era pequenino, por fim, já estava quase da minha altura.
No início, senti que tinha tanto medo de mim, quanto eu dele. Depois, pareceu que estava com raiva. Na última vez que vi meu monstrinho favorito, ele pareceu triste, choroso. Achei que estava implorando por alguma coisa. Eu podia sentir através das chamas azuis que havia no lugar de seus olhos, que queria dizer-me alguma coisa importante, muito importante.
Foi no dia que deixei o copo de lado, num instante raro de lucidez, e prestei atenção no diabinho.
Na verdade, a cabeça não era tão grande assim. E os pelos revoltos, eram lindas madeixas louras; como as da mulher com quem casei há muito tempo e sequer conseguia lembrar o semblante.
O fogo azul se transformou num par de olhos tão lindos quanto o oceano, que eu não admirava há tanto tempo.
Estava realmente implorando; por mim, por nossa família. Chamou-me de papai.
Só aí, reconheci minha filha, que lembrava como sendo um bebê, mas cresceu ao meu lado, sem eu sequer notar a sua presença.
(Ricardo Porto)
Extremamente bem construído! E o tema é dos mais relevantes! Fantástico!
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